Por que o avião é fabricado com tantos assentos e eventualmente o piloto se recusa a realizar o voo com todos ocupados?
A resposta para a pergunta da introdução dessa matéria é: Performance. É viável e seguro ocupar todos os assentos de um avião, porém, é fundamental conhecer bem seu equipamento, compreender suas limitações e os fatores que influenciam na segurança.
Entendemos por aviação geral, aquela em que o avião serve às necessidades de seu operador, que frequentemente é também o proprietário e até mesmo o piloto. Neste cenário, onde não há mais profissionais técnicos envolvidos, o piloto é o responsável por avaliar e decidir se é seguro realizar o voo com a devida capacidade de carga e passageiros. Embora nem sempre seja dispensada a devida atenção, o manual de operação de cada avião descreve em tabelas e gráficos o comportamento que a aeronave terá em função do peso carregado e sua distribuição ao longo da fuselagem.
Peso, balanceamento e passeio do CG (centro de gravidade)
O correto posicionamento da carga, distribuição dos passageiros em função de seu peso e volume de combustível abastecidos impactam diretamente na controlabilidade da aeronave e na corrida de decolagem. A estes conceitos é aplicado o nome de Peso e Balanceamento, que alteram a posição do centro de gravidade do avião.
Em aviões monomotores, o peso do motor no nariz é compensado pela carga e passageiros ao longo da aeronave. Bimotores normalmente oferecem um bagageiro no compartimento do nariz, este, além de aproveitar o espaço disponível, "compensa" o CG. Para uma situação de correto balanceamento, é esperado que o nariz do avião esteja ligeiramente mais pesado, tendendo a colocar o avião em suave descida quando o profundor e compensador estiverem na posição neutro e sem potencia aplicada. Nessas condições, encontramos o menor arrasto possível. Do contrário, com o CG atrasado, ou seja: em direção à cauda da aeronave, será necessário aplicar superfícies de comando para compensar a atitude, o que gera maior arrasto e por consequência reduz a velocidade e sustenção.
No vídeo acima é possível verificar o claro problema de posição do CG, que por estar além do limite traseiro, impediu a decolagem da aeronave. Inclusive, é importante compreender que não necessariamente esta aeronave estava acima do peso, porém este peso estava claramente mal distribuído.
Corrida de decolagem, velocidades e primeiro segmento de subida
Entre todas as fases do voo, sem dúvidas, a decolagem é a mais crítica quando a diferença entre a potência disponível e a potência necessária. No caso de uma aeronave nos limites de carga, é esperado que a corrida de decolagem seja mais longa que em condições de pouco peso. Mais peso a bordo demanda mais tempo (distância) para atingir a Vr (rotate speed), velocidade na qual o piloto comanda a retirada da aeronave do solo. Este fator frequentemente limita ou torna marginais as condições de operação com segurança em aeronaves "full pax", ou seja, com todos os assentos ocupados.
Tão importante quanto a distância de pista disponível para decolar, é a distância de parada necessária em caso de pane e decolagem abortada. Em aviões monomotores, não existe a opção de seguir a decolagem e subida de emergência em V2. Esta é a velocidade mínima em que o avião conseguirá desempenhar uma subida, mesmo com um motor inoperante. Em aeronaves bimotores e é sinalizada por uma faixa azul no velocímetro. Dessa forma, durante a corrida de decolagem devemos considerar:
- Distância percorrida para atingir a Vr (velocidade quando a aeronave deve sair do solo)
- Distância disponível para parar a aeronave após atingir a V1 (velocidade em que não é mais possível parar a aeronave na pista remanescente)
Em grandes aeroportos, é comum que a V1 seja maior que a VR, o que significa que você pode atingir uma velocidade maior que a necessária para decolar e ainda assim haverá pista suficiente para conseguir aplicar freios e parar a aeronave em segurança. Este é o cenário ideal para uma decolagem em condição de limite de peso.
Além das limitações de corrida de decolagem, é importante considerar que em condições de limitação de peso, a subida após a decolagem também estará comprometida. Um segmento de decolagem sem obastáculos é fundamental para "fechar" com sucesso uma decolagem nestas condições. Esta é uma limitação menos restritiva, uma vez que é comum haver uma grande área livre após a cabeceira oposta à decolagem, permitindo ao piloto "ceder o nariz" e ganhar velocidade para estabelecer uma subida segura.
Manual de operações - Como calcular e prever o comportamento do avião
Um bom comandante, além de demonstrar perícia para pilotar o avião, conhece profundamente seu manual e frequentemente consulta-o para analisar seus gráficos e tabelas. Manuais geralmente contém uma seção de nome "Performance". Esta seção aborda dados levantados em ensaios realizados pelo fabricante e auxilia o piloto a prever atitudes esperadas pelo avião durante o voo. Um desses gráficos apresenta uma área de segurança em formato de "Envelope" e daí surgiu o termo "voar dentro (ou fora) do envelope". A área interna demarcada pelo polígono representa condições em que a aeronave foi testada e apresentou boas características de voo. Voar fora desta área não é proibido, no entanto o fabricante deixa claro que não reconhece e atesta segurança nestas condições.
O gráfico acima é parte integrante do manual do Tupi, o PA28 com 180 hp. Nele é possível observar as variáveis que influenciam a distância de decolagem:
- Temperatura do ar (dias quentes tornam o ar menos denso)
- Altitude da pista (quanto mais elevada for a pista, menos denso é o ar)
- Peso final do avião (pessoas, combustível e bagagem)
- Vento (quando mais alinhado e oposto ao sentido da decolagem, melhor)
No título é possível observar as condições de decolagem:
- Flap 0
- Potência total aplicada na corrida
- Pista pavimentada, nivelada e seca
Assim como este gráfico, existem outras variações para condições diferentes, como utilização de flaps, pistas não pavimentadas e decolagem de alta performance (mais desconfortável porém necessária em determinadas condições).
Além do gráfico, as informações podem ser apresentadas em tabelas, que facilitam a análise, porém não permitem a simulação de condições além das previamente defindas em suas linhas e colunas. A tabela abaixo apresenta as distâncias de decolagem de um Cessna 210, com 2700lb e 2400lb de carga.
Como tornar segura a operação nestas condições
Analisados os gráficos e condições da decolagem, será possível verificar a distância estimada para atingir a velocidade ideal. Com a experiência na aeronave, é esperado que o piloto seja capaz de exercer um julgamento técnico que identifique as situações críticas e avalie as possibilidades que podem ser alteradas para tentar trazer "para dentro do envelope" a operação.
Abastecer apenas com o combustível necessário para a etapa, de acordo com o os mínimos do regulamento (A + B + C + reserva) ou optar por decolar em horários em que a temperatura esteja mais baixa são opções que podem ser analisadas quando a condição sinalizar risco.
Na dúvida, é preferível abortar a decolagem e negociar com os passageiros uma alternativa antes de expor a todos ao risco de uma decolagem fora da velocidade, que trás o avião para a condição de pré-stall.